Entrevista
Pedro Hallal: “A ciência traz racionalidade”
Ex-reitor da UFPel integrará grupo de trabalho do governo federal contra discurso de ódio
Divulgação - DP - Hallal vai trabalhar com a ex-deputada Manuela d’Ávila e com o influenciador Felipe Neto
Por Douglas Dutra
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Na última semana, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania anunciou a criação de um grupo de trabalho para estudar e discutir estratégias para combater o discurso de ódio e desestimular o extremismo no Brasil. O grupo inclui 24 representantes da sociedade civil, entre eles o epidemiologista e ex-reitor da UFPel Pedro Hallal. Também integram a lista personalidades como a ex-deputada gaúcha Manuela d’Ávila e o influenciador Felipe Neto.
Pedro Hallal ganhou projeção nacional durante a pandemia de Covid-19, quando defendeu a adoção de medidas baseadas na ciência, como o distanciamento social. Essa defesa o colocou no alvo de discursos negacionistas, tanto por parte de políticos quanto por anônimos na internet. Atualmente, Hallal está em licença não-remunerada da UFPel e está trabalhando como professor titular na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. Ele conversou com o Diário Popular sobre a atuação do grupo de trabalho.
Diário Popular - Como foi receber esse convite por parte do Ministério dos Direitos Humanos?
Pedro Hallal - Eu recebi uma mensagem diretamente do ministro Silvio Almeida me convidando e não titubeei. Recebi anteriormente alguns convites para trabalhar no governo, ter cargo, e eu recusei todos porque nesse momento me encontro fora do Brasil, inclusive como consequência de discursos de ódio, e não tenho, nesse momento, qualquer pretensão de voltar. Mas, esse convite é pra fazer uma tarefa específica, sem cargo e sem remuneração numa tarefa que me é muito importante.
DP - Durante a pandemia, você se tornou um alvo em razão da defesa de medidas científicas, como o distanciamento social. Essa saída do Brasil e de redes sociais tem relação com essa perseguição?
PH - Tanto minha vinda pra cá quanto minha participação no grupo de trabalho e a exclusão do Twitter são resultado direto dos discursos de ódio. E não só dos discursos de ódio propagados pelo ex-presidente [Jair Bolsonaro] quando tuitou contra mim, ou pelos inúmeros processos que tive que responder, mas também a perseguição local em Pelotas. Uma perseguição de rede social, dos grupos de WhatsApp da cidade, e até casos mais extremos, como ser abordado no shopping, ser perseguido de carro. Ninguém em sã consciência acha normal ter passado por todas essas coisas nos últimos três anos. Ter oportunidade de sair do País, de dar um tempo pra que as coisas se acalmem, é consequência direta dessa postura de disseminação de ódio. As pessoas começaram a ter essa estratégia que foi disseminada: ataca a pessoa e não a ideia. Se as pessoas estivessem dizendo que o distanciamento social é errado, ok, é uma discussão com base no argumento, mas já que as pessoas sabem que essa discussão elas não podem fazer porque as posições que defendi são embasadas na ciência, elas atacam a pessoa.
DP - Por que a ciência é um alvo desses discursos de ódio?
PH - Porque a ciência traz racionalidade, a ciência traz verdade. Esses discursos precisam de um nível de fantasia pra entrar na cabeça das pessoas, e a racionalidade trazida pela ciência não combina com isso. A ciência vai te dar respostas muito diretas. Se tu começar a criar um discurso de ódio dizendo que os comunistas querem tomar o poder, é óbvio que isso não é verdade. Agora, eu posso disseminar essa mentira e causar medo nas pessoas, causar pânico. A ideia desses discursos é causar medo e pânico, e quando tu tens do outro lado a ciência trazendo a informação e dizendo que o pânico não é justificável, é óbvio que esses discursos vão atacar a ciência. Em Pelotas tem um exemplo prático. Pelotas tem um conjunto de lideranças empresariais que ao longo de toda a pandemia fez o discurso mais burro possível, “vamos manter tudo aberto”. Essas mesmas lideranças me atacam até hoje sem nunca parar pra refletir sobre o que eu dizia, que essa ideia de fazer esse fechamento meia-boca que vai durar dois anos não é embasado em ciência. Ciência diz: faz um lockdown radical curto e reabre, que é o que países como China, Nova Zelândia, Austrália, fizeram. São os lugares que tiveram menos perdas econômicas. Os lugares que fizeram o que os empresários de Pelotas defenderam são os lugares que tiveram mais perdas econômicas. Essa racionalidade que a ciência traz acaba machucando quem tem discurso extremista.
DP - O grupo de trabalho inclui pessoas de diversos grupos, como lideranças políticas, personalidades da ciência, do jornalismo e movimentos sociais. O que se pode conseguir através do grupo?
PH - Nós estamos muito acostumados a falar com os nossos pares e quando se junta pessoas que não estão acostumadas a falar juntas, de áreas muito diferentes, a gente vai ampliar nossa capacidade de se comunicar. Quanto mais plural for esse grupo, mais a gente vai conseguir chegar nas pessoas.
DP - Já tem alguma proposta pra apresentar? Como vai funcionar o grupo?
PH - Ainda está numa fase muito preliminar. Recebi o convite e ainda não tem uma agenda de reuniões, mas provavelmente vamos fazer uma divisão entre subgrupos. Provavelmente vou colaborar onde posso contribuir mais, na área de desinformação e ciência.
DP - A tendência é de que se elaborem políticas públicas através do ministério?
PH - Provavelmente nesse processo a gente vá gerar um documento, uma carta à população brasileira, pensando numa ideia de pacificação. Outro objetivo vai ser desenvolver políticas públicas pra evitar discursos de ódio, mas também punir quando ele acontece. Tem que ficar muito nítido que não está ok tentar destruir a imagem de uma outra pessoa. Não é razoável que as pessoas mandem vídeos no WhatsApp simulando que é a Anitta em cenas de sexo, que enviem montagens que envolvem a filha da Manuela d’Ávila, que distorçam publicações minhas e mandem no WhatsApp. No mundo normal a gente sabe disso, não posso pegar um documento e falsificar uma assinatura, mas também não posso pegar o tweet de uma pessoa e falsificar o texto. Eu acho que uma das coisas que o grupo vai fazer é delimitar um pouco o que não pode ser feito, o que passa do limite do que a gente chama de liberdade de expressão. Acho que a prioridade é mais educacional, como a gente educa a sociedade e previne esses discursos.
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